Devíamos ser responsabilizados pela merda que fazemos
Se, ao construir uma ponte, um engenheiro civil fizer mal as contas a ponte cai. Mas não é só a ponte que cai. Esse engenheiro civil provavelmente também cai. Ou pelo menos desequilibra-se. Porque quando fez o projecto da ponte assinou-o, assumindo responsabilidade pelo que fez.
Nós os programadores ABAP não temos esses problemas.
Por muito má que seja a qualidade do nosso código nunca ninguém conseguirá processar-nos. Aliás, muitas vezes até gostam mais de nós quando somos rápidos a dar resposta mesmo sabendo que para sermos rápidos estamos a fazer tudo mal e deixamos um legado problemático e de difícil manutenção.
Não nos acontece nada nem que demoremos seis meses a fazer um programa que fica tão mal feito que, mais tarde, depois de sairmos desse cliente, a pessoa que tem de o manter acabe por decidir deitá-lo fora e começar de novo. Nem assim sofremos qualquer consequência. Se calhar o cliente até continua a elogiar-nos a simpatia e a velocidade com que resolvíamos os problemas. Se calhar até gostam mais de nós do que do outro que acabou por reescrever um programa com mais qualidade e de fácil manutenção mas que afinal só faz o que o nosso já fazia e por isso foi uma perda de tempo.
Também nada nos vai acontecer se fizermos um user-exit com 2000 linhas corridas cheias de CHECKs e código hardcodado, que um ano mais tarde acaba por explodir e paralizar a empresa durante uma manhã, deixando empregados parados no mundo inteiro, com custos de dezenas de milhares de euros. Isto porque pediram a alguém para fazer uma pequena alteração e esse alguém cometeu um erro por não conseguir entender nada do que aquelas 2000 linhas fazem. Provavelmente também terão saudades nossas dizendo que nós não teríamos causado problemas porque já sabíamos os cantos à casa (sendo que a casa era neste caso um labirinto laboriosamente construído por nós ao longo dos vários anos que lá estivemos).
Nós os programadores ABAP não somos responsabilizados por nada. E por não sermos responsabilizados por nada tornamo-nos irresponsáveis. O mais espantoso é que muitos de nós nem sequer temos a noção da nossa irresponsabilidade. Porque, além de não sabermos programar, não sabemos que não sabemos programar. E somos bem capazes de chegar ao fim da nossa carreira ilesos e ignorantes da nossa própria ignorância.
Devíamos ser obrigados a assinar o que fazemos. Devíamos ser responsabilizados pelos resultados do nosso trabalho. O nosso trabalho devia ser regulado pela Ordem dos Engenheiros que deveria ter o duplo papel de defender os nossos direitos e de exigir que cumpríssemos os nossos deveres, nomeadamente no que toca a qualidade. Os clientes para quem trabalhamos deviam exigir que o nosso trabalho fosse assinado (para além do SY-UNAME) e quando algo corresse mal deviam responsabilizar-nos quando se apurasse que o que correu mal resultou de displicência nossa.
Só assim esta profissão ganhará alguma nobreza. Só aí teremos o direito de dizer que somos Engenheiros.
Até lá vamos continuar impunemente a espalhar mau código ABAP por esse mundo SAP fora.